Esse texto é simplesmente lindo!!! Quem o escreveu foi a atriz Fernanda Montenegro, após ter interpretado Dora, em Central do Brasil. Leiam vale a pena!!!
Há momentos em que os anos vividos nos obrigam a olhar em volta e fazer uma revisão de perdas e danos. Eu sou resultado de muitas influências e convivências. Centenas de companheiros e personagens me formaram e me educaram. Acho que foi na educação primária que tudo começou. Ao trabalhar o mundo da professora Dora, personagem que interpretei em Central do Brasil, fui buscar na memória minhas primeiras professoras. Credenciadas, respeitadas, prestigiadas, professoras de escolas públicas que freqüentei, no subúrbio do Rio de Janeiro.
Me lembro com muito carinho de dona Carmosina Campos de Menezes, que me alfabetizou. Mais do que isso, me ensinou a ler, o que é um degrau acima da alfabetização. Naquele tempo as professoras se chamavam Carmosinas, Afonsinas, Ondinas. Busquei na memória a figura de dona Carmosina para me aproximar de Dora. E vi como seria trágico se a minha tão amada Carmosina viesse a se transformar, por carências existenciais e sociais, na endurecida e miserável Dora. Foram essas perdas que me deram o tom para a cena final, quando Dora escreve "tenho saudade de tudo". Entre Carmosina e Dora lá se vão 60 anos.
Penso que minha vocação de atriz foi sensibilizada nas leituras em voz alta. As primeiras coisas que decorei na vida foram dois poemas que dona Carmosina mandou (é essa a palavra, mandou) que decorássemos nas férias de dezembro: Meus Oito Anos, de Casimiro de Abreu, e Canção do Exílio, de Gonçalves Dias. Na volta das férias naquele ano de 1937, eu declamei: "Oh! Que saudades que eu tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida que os anos não trazem mais."
Vi muitos Brasis entre esses meus 8 anos, os 8 anos do poeta e essas duas mulheres: Carmosina e Dora. Sou atriz e confesso a minha deformação profissional: esse sentimento de perdas, essa nostalgia, me ajudou a resgatar o emocional da desprotegida e amarga Dora ao intuir que dentro dessas Doras desiludidas existe sempre uma Carmosina à espera de um ombro e de um socorro. Precisamos de muitas Carmosinas e, se possível, nenhuma Dora. Eu tenho um sonho (parodiando o notável reverendo americano) de que um dia todas as desesperadas Doras serão resgatadas desses ônibus perdidos que atravessam nosso sertão de miséria e que a elas será dada nem que seja uma parcela daquele reconhecimento e respeito social das professoras Carmosinas da minha infância. Doras com visão de futuro, com auto-estima, economicamente ajustadas. Professoras Doras inventivas, confiantes no seu Magistério para que possam ser amadas como seres humanos e por que não? Como personagens também.
Adoreii, muito bonito....como eu queria que todos os professores do nosso Brasil, fossem iqual a Dona Carmosina!
ResponderExcluirFui formadora do PROFA, Programa de Formação de Professores e esse texto fazia parte da coletânea para leitura compartilhada. Ele é emocionante, forte. Além da leitura do texto também assistimos ao filme Central do Brasil, focalizando a questão da alfabetização e do letramento
ResponderExcluirParabéns seu blog esta lindo e muito criativo, já salvei nos meus favoritos =)
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